Brazil
April 14, 2025

Em uma agricultura cada vez mais tecnificada e profissionalizada, algumas ações comuns no passado podem gerar cada vez mais dificuldades para o produtor se manter na atividade agrícola. Um dos principais exemplos disso é a não-utilização da safra de inverno para rentabilizar a propriedade.
Para efeitos práticos, dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que, apenas na Região Sul, em 2024, a cultura da soja ocupou uma área de mais de 13 milhões de hectares. Enquanto isso, o trigo, principal cultura de inverno do Sul, registrou uma área de pouco mais de 2,5 milhões de hectares. Ambos os números crescem quando colocamos na conta outras culturas de inverno e verão. Mas, ainda assim, a discrepância é nítida.
Dessa forma, rentabilizar a propriedade durante o inverno se faz necessário. “O produtor precisa olhar a propriedade rural como um sistema. E esse sistema tem que estar ancorado em várias fontes de renda, não somente no verão. Sistemas que possuem somente o verão não se sustentarão mais a longo prazo, por causa da instabilidade climática e do incremento do custo de produção”, ressalta o gerente de desenvolvimento de trigo da GDM Seeds no Brasil, Giovani Facco.
Nesse contexto, o trigo surge como uma das principais opções dentre as culturas de inverno, sendo a principal opção do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e de algumas regiões do Paraná. E para além dos benefícios financeiros que a cultura oferece, o trigo também agrega em importantes vantagens ao sistema de produção, aumentando, inclusive, a rentabilidade da cultura subsequente, no caso da soja.
Benefícios na fertilidade do solo
De acordo com o doutor em ciência do solo e pesquisador da Cooperativa Central Gaúcha (CCGL), Tiago Hörbe, o trigo oferece uma oportunidade de adubação de sistema e de correção da fertilidade na forma horizontal. “A cultura do trigo é semeada entre 17 a 21 cm. Já culturas de verão, como soja e milho, são semeadas entre 45 a 60 cm. Então, com o trigo, você faz uma deposição de fertilizantes, principalmente de fósforo, de uma forma mais espaçada”, afirma.
Com relação ao fósforo, Hörbe compartilha uma importante estratégia visando a cultura da soja.
– O fósforo está com valores mais elevados, mas ele seguirá assim para a soja. Só que aí entra a oportunidade com a cultura do trigo, pois ela é mais responsiva. O trigo demanda fósforo para sua produção, mas a extração no grão não é tão significativa. Então você faz a adubação, potencializa o inverno e fica com a adubação residual na cultura da soja. Aí você “tira o pé” no quesito fósforo no verão.
No que diz respeito a outros nutrientes, como nitrogênio, potássio e enxofre, a transição entre a soja e o trigo, que pode variar de 45 a 90 dias, a depender da região, apresenta uma boa
oportunidade para o uso de plantas de cobertura. “Elas fazem uma adubação verde, reciclando adubos no sistema e aportando esses nutrientes para a cultura do trigo”, cita o pesquisador.
Auxílio no controle de plantas daninhas
O trigo também traz benefícios no manejo de plantas daninhas. Um dos motivos é pelo momento em que a cultura entra no campo. “Quando se faz a semeadura do trigo, é realizado um controle de plantas daninhas no outono, na transição da soja pro inverno. Esse é um momento muito assertivo para o manejo de plantas daninhas”, cita Hörbe.
Além disso, a presença do trigo no sistema é benéfica para o controle de algumas plantas daninhas, sobretudo da buva, uma das principais invasoras da soja. Resultados de pesquisa realizada em 2006 pelo doutor em fitotecnia, Mauro Rizzardi, na Universidade de Passo Fundo, indicam que a ocorrência média de buva em uma lavoura de soja após o pousio era de 26,7 plantas por m². Já quando o trigo era inserido no sistema como a cultura antecessora à soja, a ocorrência da daninha foi reduzida para 3,4 plantas por m².
Conforme Facco, os produtos químicos utilizados para dessecação em pré-semeadura das áreas de trigo não são tão comumente usados dentro das culturas de verão. “Isso permite a rotação de produtos químicos, o que, por sua vez, faz com que seja estabelecida uma rotação de culturas que dificulta o estabelecimento de plantas daninhas de difícil controle”, menciona.
Vantagens na proteção do solo
A conservação do solo é um dos principais benefícios da cultura no sistema. Se já não bastasse o fato de que ao plantar uma cultura no inverno, o solo já não fica em pousio, o trigo ainda oferece uma ótima quantidade e qualidade de matéria orgânica no solo.
“É uma cultura que está protegendo o solo durante o período de inverno e primavera, em que há níveis elevados de chuva”, comenta Hörbe.
Essa camada protetora, além de evitar a perda de nutrientes e a erosão do solo pela chuva, auxilia também em sua microbiologia. “Em um primeiro momento, para plantar a soja em cima, essa palhada impõe algumas limitações. Mas ela protege o solo, criando uma camada isotérmica sobre ele, o que fará com que temperaturas degradantes sejam melhor suportadas e irá gerar benefícios em sua biota”, assinala Facco.
A palhada do trigo se prova especialmente importante no contexto do Cerrado brasileiro, devido à maior dificuldade na produção de matéria orgânica. “Essa palhada possui uma ótima relação carbono/nitrogênio (C/N), então é bem importante que ela esteja ali”, pontua.
Ponto-chave para o Cerrado: trigo pode auxiliar na redução de nematoides
Diversas cultivares de trigo no mercado brasileiro oferecem uma grande vantagem, especialmente para agricultores do Cerrado. Isso porque tais variedades apresentam um baixo fator de reprodução para algumas espécies do nematoides de galhas (Meloidogyne incognita e M. javanica), nematoide das lesões (Pratylenchus brachyurus) e nematoide reniforme (Rotylenchulus reniformis). Isso significa que essas variedades mantiveram ou reduziram a população de nematoides de algumas dessas espécies na área em questão.
Mais pesquisas seguem sendo realizadas para relacionar as vantagens do trigo quanto aos nematoides, mas já é possível afirmar que várias cultivares apresentam benefícios frente à problemática, que anualmente gera prejuízos relevantes aos sojicultores no país.
A priorização do sistema de produção
Para Hörbe, o segredo da rentabilidade do trigo é pensar no sistema de produção. “Quando o agricultor tem um sistema bem equilibrado, em que ele exercita a rotação de culturas e adubação de sistema, por exemplo, ele reduz o custo e faz a cultura do trigo se rentabilizar mais”, atesta.
Segundo Facco, o trigo é uma excelente opção dentro do sistema para trazer estabilidade financeira à propriedade. “Com o achatamento das margens nas culturas de verão e o custo de se fazer uma lavoura subindo gradativamente, por vezes a propriedade começa a sofrer com instabilidades financeiras. Então, a rentabilidade no inverno ajuda a suavizar esse achatamento das margens”, resume.